quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Itaquatiaras: a arte rupestre mais intrigante no Nordeste do Brasil

Indubitavelmente o Brasil é um dos países onde se encontram as maiores concentrações de registros rupestres do mundo. De norte a sul, do Amazonas ao Rio Grande do Sul existem grafismos das formas e técnicas de elaboração mais variadas possíveis. Deve-se salientar que grafismos consistem em pinturas e gravuras em diversos suportes rochosos do relevo brasileiro. Os arqueólogos comumente utilizam alguns métodos de classificação para identificar os variados traços e estilos dos grafismos. Existem definições como tradições, sub-tradições, estilos, variedades, complexos, classes, etc., cada um destes elementos mencionados servem de catálogo do estilo empreendido pelos artistas autóctones que elaboraram os grafismos. Mas nosso enfoque são as itaquatiaras, que segundo Gabriela Martin (2005) em língua tupi, significa pedra pintada. Vanderley de Brito, Historiador, membro da Sociedade Paraibana de Arqueologia define como pedra lavrada ou petróglifos. Outros autores, como por exemplo, o Arqueólogo André Prous, da Universidade Federal de Minas Gerais chama de tradição Geométrica e sub-tradição Itacoatiara.



São exclusivamente sítios gravados nas imediações dos rios, e particularmente de cachoeiras, onde aproveitam o afloramento de rochas duras. Muitos dos blocos gravados costumam ser submersos pelas enchentes, fato este certamente desejado pelos autores pré-históricos. (PROUS, 1992)


Esta definição de tradição é típica do Nordeste brasileiro sendo característica pela sua predominância em leitos de rios, córregos, arroios, torrentes, cachoeiras, olhos d’água e em qualquer tipo de cursos d’água. Esses registros, comumente são gravados nas rochas, em alguns casos eram gravados e pintados, mas as gravuras são maioria em relação às pinturas.



Nessa tradição, típica da região nordestina, predominam grafismos puros, porém deve se registrar a presença de antropomorfos, alguns muito elaborados, inclusive com atributos, como os encontrados na beira do São Francisco, em Petrolândia/PE. Há marcas de pés, lagartos e pássaros em grandes paredões, sempre próximos d’água, e também desenhos muitos complexos, que, na imensa solidão dos sertões têm-se prestado, muitas vezes, às mais fantásticas interpretações. (MARTIN, 2005)





As itaquatiaras são indubitavelmente os registros rupestres mais enigmáticos e difíceis de interpretações devido à falta de sedimentos nos quais possam ser realizadas escavações que possibilitem uma associação das gravuras com os refugos da cultura material dos grupos que produziram tais grafismos. Suscitaram-se também, as mais fantásticas interpretações acerca das gravuras. Inferiu-se que as itaquatiaras eram obras de seres extra-terrestres, talvez a mais desvairada, de Fenícios, Egípcios, Hebreus, Incas e etc., Não há dúvida de que esta variação de arte rupestre impressiona pela sua laboriosidade em produzir sulcos em rochas duríssimas com instrumentos líticos rudimentares e talvez mais frágeis do que os próprios suportes rochosos. Muitos arqueólogos aventaram diversas teorias sobre o sentido e significado dessa arte rupestre. Teorias de reprodução do mundo mágico e simbólico, reproduções de astros, escrita e forma de comunicação daqueles povos. Niéde Guidon assinala, que o sentido da arte rupestre é a forma de descrever de maneira narrativa a vida daqueles grupos étnicos.



É evidente que a maioria dos petróglifos ou itaquatiaras do Nordeste do Brasil, estão relacionados com o culto das águas. Muitas dessas gravuras nos fazem pensar em cultos cosmogônicos das forças da natureza e do firmamento. Possíveis representações de astros são freqüentes, assim como a existência de linhas onduladas que parecem imitar o movimento das águas. É natural que nos sertões nordestinos, de terríveis estiagens, as fontes d’água fossem consideradas lugares sagrados, mas o significado dos petróglifos e o culto ao qual estavam destinados nos são desconhecidos. (MARTIN, 2005).





Talvez a explicação mais plausível para as itaquatiaras são as que Gabriela Martin defende, de uma espécie de culto as águas. Na maioria dos sítios com itaquatiaras encontra-se com bastante freqüência traços ou linhas onduladas que, amiúde, representam o movimento das águas. Parece absurdo, mais se analisarmos que as itaquatiaras estão em suportes rochosos de regiões bastante áridas, a água torna-se um elemento sagrado e fonte de subsistência de povos caçadores-coletores. Em alguns sítios com gravuras insculpidas é bastante comum, também, segundo Prous (1992) a presença de cupuliformes ou cupules, pequenos sulcos redondos gravados nos suportes rochosos. Não se sabe o significado, mais alguns arqueólogos sugerem que podem ser representações de astros, estrelas e corpos celestes. Jean Clottes, Diretor-geral do Patrimônio da França, afirma que em alguns sítios franceses observa-se muitos sítios com nuvens de pontos, que segundo Clottes são representações do imaginário daqueles povos após a ingestão de plantas alucinógenas em rituais e cerimônias. Em Iati, o sítio Boi Branco apresenta as mesmas cupules ou nuvens de pontos, ademais o próprio piso do lajedo está tomado por insculturas que lembram astros e estrelas. Na pedra de Ingá/PB, por exemplo, observa-se também a freqüência de nuvens de pontos e cupules presentes em todo o suporte rochoso. Francisco Carlos Pessoa Faria, em seu Livro Os astrônomos pré-históricos de Ingá defende que a pedra lavrada de Ingá é na verdade um grande calendário pré-histórico. Há grafismos de sáurios, antropomorfos, zoomorfos e talvez, fitomorfos, mas também inúmeras reproduções de astros e estrelas no piso do gnaisse.



A proximidade de cursos d’água ou qualquer fonte de abastecimento nas adjacências parece uma regra para a ocorrência de itaquatiaras, porém, em alguns sítios brasileiros observou-se gravuras sem qualquer curso d´água nas proximidades. Mila Simões de Abreu, Arqueóloga de Cambridge, Inglaterra, faz pesquisas na região de Valcamônica (Portugal) as gravuras são encontradas sem nenhuma relação com proximidade a água. O que parece ser uma regra no Nordeste do Brasil, noutros lugares não o é. Isso torna o estudo das itaquatiaras bastante tênue e preliminar, as interpretações são diversas mas o verdadeiro significado de tais registros se perderam com os povos que elaboraram.