terça-feira, 23 de agosto de 2016

Aprender a filosofar



            Que é filosofia? Para que serve a filosofia? Qual a importância da filosofia para minha vida? O que ganho estudando filosofia? Todos estes questionamentos brotam das pessoas que tem o primeiro contato com a “matéria”, “disciplina”, “ciência” ou qualquer outra definição do componente curricular filosofia oferecido no ensino médio. O ensino de filosofia é ofertado na Educação Básica apenas no ensino médio – na maioria das escolas – na etapa final de uma longa jornada educativa de nossa juventude. O ensino fundamental, como é notório, é a maior etapa educacional de nossas vidas, mas o componente curricular filosofia é inexistente ou foi removido do currículo escolar pelo Ministério da Educação ou Secretarias estaduais de Educação. Na Rede Pública Estadual de Pernambuco, a título de exemplo, o componente curricular filosofia inexiste no Ensino Fundamental e se resume a apenas uma aula semanal nas três séries do Ensino Médio. Em resumo, isso significa que o componente curricular é “irrelevante”, sem peso educativo ou oferece um “risco” ou “perigo” as (aos) estudantes deste país como pensam muitos (as) filósofos (as). Decerto o risco filosofia não é para a juventude, mas a soma deste ensino pode resultar na promoção, formação e emancipação de mentalidades das pessoas mais jovens em possibilitar formar seres, pessoas e indivíduos com olhares, pensamento e ações de cunho crítico é de fato um perigo, uma ameaça, mas não aos (as) jovens e sim, aos nossos representantes. Tornar os seres pensantes neste país parece que é um imenso risco bem comum, basta olhar o nível de prioridades nas políticas públicas deste país quando o assunto é educação.

            Quando leciono filosofia nas séries iniciais do ensino médio repito com frequência a frase kantiana: “Ninguém aprende filosofia, o que se aprende é a filosofar”! Os (as) estudantes ficam atônitos (as) diante desta assertiva, como assim não aprenderemos filosofia? Na medida que as aulas prosseguem a maioria percebe que a filosofia não é um saber pronto, acabado, com definições estáveis, cristalizadas e indiscutíveis. Além disso, filosofia não é algo que se refere unicamente a vida estudantil, a carreira escolar. Qualquer ser pode filosofar, independentemente do nível educacional, da questão socioeconômica, da formação cultural, da localização geográfica, enfim, isso significa que o ato de filosofar é acessível a qualquer ser, desde que este ser deseje se imiscuir com as benesses que a filosofia promove.

            Etimologicamente, a palavra filosofia significa amor a sabedoria. Amar a sabedoria, o conhecimento, a busca por respostas racionais, a curiosidade por saberes e o rompimento com a obviedade aparente das respostas imediatas e instantâneas. Neste caso, a filosofia não é uma ciência, pois as ciências têm objetos específicos de investigação, por exemplo, o oftalmologista estuda a visão, o veterinário cuida da “saúde” dos animais. A filosofia não tem objeto específico, ela investiga as produções humanas, as concepções de mundo, o que os humanos fazem, constroem, pensam e imaginam. Sócrates, filósofo ateniense foi considerado o precursor dessa “nova” maneira de enxergar e perceber as coisas que envolviam os seres humanos, a ele foi atribuída a seguinte frase: “sábio é aquele que conhece os limites da sua própria ignorância”. Sabedoria para Sócrates é ser humilde, simples e reconhecer que todo o conhecimento acumulado em nossas vidas será insignificante, insatisfatório, limitado. A filosofia está em todos os lugares, não há tempo específico para sua existência – excetuando-se o seu aparecimento na Grécia antiga no século VI a. C. – ela permanece viva, atuante e “incomodando” muitas pessoas até hoje. A filosofia não possui vida própria, ela toma forma e se materializa a partir da observância e discussão de assuntos cotidianos, banais e do dia a dia que envolve as pessoas. Desde assuntos banais até complexos. Começa no plano discursivo e dialético e consuma-se nas ações e atitudes comportamentais. Como já foi exposto, a área de atuação da filosofia se resume as realizações humanas, mas essas realizações são àquelas da banalidade. O propósito do conhecimento filosófico – se é que existe – concentra-se em promover a autonomia intelectual das pessoas, o desenvolvimento crítico nos seres, o aprimoramento da capacidade de percepção da realidade. Em outras palavras, o papel do conhecimento filosófico é induzir as pessoas a separarem o real do ilusório, romper as correntes da ignorância que muitos seres carregam sem perceber, indo mais distante, quebrando a alienação que muitos humanos vivem imersos. Nestes termos, filosofar é dar sentido à vida e existências, é dar prioridade a razão, a racionalidade, a inteligibilidade e acima de tudo, ampliar as consciências e reflexões humanas.

            Aprender a filosofar não é uma tarefa fácil e que se alcança de forma rápida, espontânea e célere. O ato de filosofar é fruto de uma prática exaustiva, rigorosa, laboriosa e que exige do ser um processo de maturação lento e de longo prazo. Para filosofar exige-se uma leitura de mundo mais eficiente, mas para lermos o mundo de modo mais objetivo é vital tornar a leitura da palavra um hábito constante e recorrente, assim como defendia Paulo Freire. Ler livros ou textos de autores clássicos e de filósofos (as) aguça o saber, desperta a curiosidade, aumenta o senso crítico, estimula e instiga a autonomia intelectual e racional do ser. Quando um humano se imiscui com o conhecimento filosófico – em geral – sua postura diante do mundo melhora, se torna um ser mais participativo, exigente e sai dos modelos e padrões instituídos pela nossa sociedade. É uma prática comum nas sociedades capitalistas tornar os seres humanos iguais, com hábitos em comum e, dessa forma, facilitar o processo de alienação e de consumo dos produtos capitalistas. Como seria menos danoso se o projeto capitalista se resumisse a apenas isso, mas vai além, tentam até mesmo controlar suas mentes, seus pensamentos e seus gostos através de vários aparatos, sobretudo, pela mídia, meios de comunicação e redes sociais. Aprender a filosofar insta os seres a se tornarem diferentes da massa padronizada, autênticos, genuínos e com vida própria. Libertando das amarras dos vícios, dos prazeres, das ilusões, das aparências e das ideologias dominantes que pairam sobre nós.

            Aprender a filosofar é um estímulo ao pensamento ordenado, organizado e sistemático, desenvolvendo a elucubração de problemas cotidianos e complexos, induzindo e priorizando a emancipação intelectual contra o comodismo, quietude e adormecimento das ideias. Quem não filosofa neste mundo vive com a mente anestesiada, estagnada, inerte e sem “vida” ou como em outros casos, a mente é um mero aparelho reprodutor de ideologias e modismos empregados por interesses particulares. O ato de filosofar, como foi exposto acima, é acessível a qualquer ser, mas para isso ocorrer o ser deve desenvolver uma atitude de estranhamento com o banal e cotidiano, deixando de enxergar a realidade como algo comum e imutável. Filosofar é, antes de tudo, uma maximização do uso da consciência, é o agigantamento e melhorias da capacidade intelectiva humana.

Para finalizar, aprender a filosofar é uma necessidade diante do mundo que vivemos, cada vez mais hostil e difícil de se viver em razão dos seres perderem as “rédeas” de suas próprias consciências e reflexões caindo nas armadilhas “sedutoras” da ignorância, do orgulho, da intolerância e atos indesejáveis em nossa sociedade. A capacidade humana de pensar e agir de modo coerente e eficiente está perdendo espaço para a “soberania” do mundo virtual, do domínio e necessidades cada vez maiores das tecnologias, dos dispositivos eletrônicos assumindo tarefas que deviam ser nossas. A soma destes fatores gera uma sociedade dependente, alienada e com poucos estímulos ao pensamento racional. Resta-nos a alternativa de valorizar o ato de filosofar e tornar hábito procurar respostas e não se contentar somente nas primeiras explicações e elucidações que nos aparecem como salvadoras e redentoras. É preferível viver inquieto (a) do que viver imerso num mundo de certezas! Encerro este fragmento de consciência com a frase de Montesquieu: É necessário estudar muito para saber um pouco.






segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Historiador e Filósofo Leandro Karnal no Programa Roda Viva