quarta-feira, 19 de junho de 2013

A Era da impaciência



Quem conhece a história da humanidade sabe que nós seres humanos enfrentamos ao longo dos tempos várias transformações de ordem social, econômica, religiosa e tecnológica. Segundo a teoria evolucionista do naturalista inglês Charles Darwin os seres vivos se modificam fisicamente e biologicamente conforme as condições climáticas e geográficas. A maior modificação que a humanidade enfrenta, sem dúvida é o comportamento, já fomos pessoas que dependiam da caça e pesca para se manter vivos, desenvolvemos a agricultura e o pastoreio de animais cuja mudança maior foi a convivência em cidades, construímos enormes Impérios organizados administrativamente e militarmente, criamos a arte, manifestações humanísticas, religiosas e renascentistas que fomentaram e ampliaram o desenvolvimento tecnológico com vistas à contemplação e a lucratividade. As primeiras vilas tornaram-se cidades fortificadas graças à ação da classe burguesa cujo papel foi crucial na consolidação da expansão marítima e das grandes navegações. A Idade Moderna (séculos XV – XVIII) foi o período onde ocorreram inúmeras mudanças que moldaram o cenário do mundo contemporâneo como o renascimento, iluminismo, Revolução Francesa e etc. A Europa viveu turbulências sociais com a migração da população camponesa para as cidades isso tudo somado, em razão da Revolução Industrial. Depois veio o imperialismo dos continentes asiático e africano. Enfim, o mundo passou por diversas transformações de diversas ordens e dimensões, como mencionado acima, mais que culminaram num mundo contemporâneo capitalista, globalizado e ordenado, sobretudo, pelos meios de comunicação de massa e pela devastadora tecnologia que produziu na sociedade o comodismo, a preguiça e a assaz inutilização frequente da razão.

            Alguns teóricos já definiram o cenário hodierno como a Era do conhecimento, Era da informação e também Era da tecnologia, mas nosso enfoque aqui é fazer uma breve reflexão filosófica de um cenário latente pouco percebido pelas pessoas cujas vidas, rotinas e tarefas diárias as tem tornado pessoas ávidas pela pressa, correria e, principalmente, impaciência. Nossa reflexão parte do pressuposto de uma tentativa de compreender as razões que possibilitaram aos seres humanos serem impacientes e intolerantes com tamanha frequência. Se vivemos na Era do conhecimento por que algumas pessoas não fazem uso da sabedoria? Por que as pessoas caem em discussões, conflitos, escaramuças por coisas tão simples de resolver? Se estamos na era da tecnologia por que inúmeras pessoas estão segregadas de seu uso? Para algumas religiões e correntes filosóficas umas das virtudes da humanidade é a paciência, saber esperar e aguardar o momento necessário para agir. Nossa análise se concentrará na reflexão dos comportamentos humanos cujas ações se classificam como atos impacientes e intolerantes.

            O primeiro parágrafo apresentou superficialmente algumas mudanças comportamentais ao longo de milênios, entretanto, nos últimos cinquenta anos a humanidade passou pelas maiores transformações econômicas, tecnológicas e sociais de toda a história humana. O desenvolvimento econômico e tecnológico foram os responsáveis por tais alterações. A tecnologia e a mídia tiveram um papel essencial na construção dos novos valores éticos, morais e comportamentais das massas. Tradições, costumes e culturas sólidas foram trituradas, fracionadas e suprimidas com a infiltração e assimilação de novos elementos culturais trazidos pelas torrentes e enxurradas de valores capitalistas que atendem aos interesses e anseios da poderosa classe burguesa. Os interesses particulares tomaram conta das mentes desprotegidas, alterando substancialmente o modo de viver das pessoas na atualidade.

            No mundo contemporâneo, mais especificamente no Brasil, as famílias mudaram de comportamento e perfis éticos e morais em razão das circunstâncias do cenário atual. Em tempos passados, os pais tinham um papel fundamental na construção da educação de seus filhos. Passavam mais tempos com as crianças, tomavam café da manhã, almoçavam, jantavam e ficavam juntos com uma maior frequência. Nesses momentos importantíssimos, os pais repassavam seus valores às crianças, transmitiam lições que deviam ser postas em prática fora do lar. Noções de educação, de como se comportar na escola e na sociedade, respeitar e ouvir os mais velhos, ensinamentos de cautela e prudência diante das pessoas. E uma das lições mais importantes que nossos pais nos transmitiam era a de se pronunciar no momento certo, aguardar a sua vez, não se antecipar, em outras palavras, consistia no ensino de ser paciente, ter autocontrole, ser atencioso (a) e saber se concentrar. Considero como lições vitais e essenciais à vida em sociedade. Porém, nosso mundo mudou bastante e a configuração do trabalho seguiu os mesmos passos, os filhos saem de casa para estudar antes dos pais, em geral, não almoçam mais juntos e, talvez também não jantem. Quando se reencontram já é noite, bastante tarde e os filhos e pais estão com fadiga acumulada, cansaço exaustivo da rotina diária e neste caso, a maioria dos pais não transmitem seus valores éticos e morais aos filhos, não por omissão, mas em razão do novo cenário social que se formou. Alguns pais chegam em casa e seus filhos estão dormindo e vice-versa. As crianças se tornaram seres impacientes por causa dessa injusta rotina diária. Passam o dia inteiro sem a presença dos pais, precisam ser educadas por outras pessoas, possuem uma série de compromissos apesar da idade tenra, precisam estudar, ter aulas de balé, dança, natação, academia de ginástica e vivem um tempo desnecessário em frente a TV e nas redes sociais jogando fora um tempo precioso para desenvolverem a arte da paciência, da prudência, da concentração e principalmente, meditar. Em outras palavras, a sociedade ensina aos mais jovens a serem impacientes, a não concluir as tarefas, pelo contrário, ensinam a fazer várias tarefas simultaneamente – multitarefas – a sociedade impõe à juventude a ideia de ganhar tempo, serem frenéticos, ágeis e na maioria das vezes, impingem os jovens ao não pensar, não perceber o processo de conclusão das coisas. Quem age desmedidamente, apressadamente, obviamente usa a razão de forma imprudente.

            Na Escola percebemos cada vez mais a presença de pessoas jovens com um nível alto de impaciência, desatenção, descontrole, distração e ávidos por pressa, isso não é culpa da juventude, mas dos determinismos impostos pela sociedade capitalista e seus mecanismos de alienação: mídias, tecnologias, incentivo ao consumo e ao entretenimento. Em outras palavras, as pessoas estão atribuindo valor ao que não possui valor humano, assim como Karl Marx alertava: os humanos se tornaram coisas e as coisas se tornaram humanas. Os estudantes estão perdendo o sentido e o conceito de processo, perderam a noção de historicidade, de como as coisas se constituem e se consolidam e, em razão disso, querem tudo de forma instantânea, rápida, de imediato. A ideia de processo que faço uso consiste nas etapas de construção dos valores, dos bens de consumo, da correspondência salarial, de como o conhecimento é adquirido, enfim, são os estágios necessários para a estruturação das coisas. Os estudantes quando impelidos pelos educadores a realizarem pesquisam recorrem – em sua enorme maioria – as fontes de pesquisas mais rápidas e práticas, no caso, a internet. Por que isso ocorre? Talvez pela impaciência. Pesquisar é uma etapa que exige concentração e uma leitura rigorosa e os nossos jovens perderam essa capacidade de ler vagarosamente, de não se contentar com a primeira leitura, mas a realidade é outra, preferem a fonte mais eficaz? e, neste caso a mais acessível possível. Quando os docentes recebem estas pesquisas ou realizam avaliações dos estudantes – no mesmo átimo – perguntam aos docentes se o resultado será divulgado ainda naquele dia. Isso é o exercício pleno da impaciência, do imediatismo, querer que tudo saia o mais rápido possível, à maneira da celeridade. É raro algum estudante entender que os docentes têm outras turmas, que precisam corrigir outras atividades além destas, isso é também incompreensão de processo. Processo demanda paciência e o inverso, culmina na inquietude.

            Está se tornando cada vez mais comum o uso frequente de academias de ginástica, existe uma preocupação enorme com a estética corporal, comportamento impingido a partir da exibição da novela malhação. Basta fazer uma pesquisa com dados estatísticos com o número de academias no Brasil antes e depois da exibição da novela na década de 90 e confirmar esta suposição. Os jovens se preocupam bastante com a estrutura corporal, é uma das exigências estéticas em vigência, nossa sociedade toma como padrão corpos bonitos, temos que possuir corpos esculturais cuja maior expressão é a beleza e o reconhecimento social. São poucos que reconhecem que malham para melhorar a saúde e bem-estar, a assaz maioria zela – prioritariamente – pela estética. Mas, o que isso tem a ver com o tema? A juventude perdeu a noção e percepção de processo, as pessoas querem agilidade, ganhar tempo é a bola da vez, possuir um belo corpo o mais rápido possível é o lema. Recorrem a esteroides e anabolizantes, suplementos com componentes químicos duvidosos, drogas que agilizam e promovem a aquisição de massa muscular de modo mais célere. A impaciência predomina, o processo de malhação deve ser instantâneo e isso só prejudica a própria saúde.

            Vemos exemplos de atos impacientes até mesmo nas filas das agências bancárias, lotéricas, supermercados e qualquer organização deste tipo. As pessoas quando veem filas enormes tecem comentários negativos, repudiando a existência das filas. Por que isso ocorre? Não estamos sozinhos no mundo, por isso a demanda é o crescimento das filas, dos trânsitos, dos engarrafamentos e coisas parecidas, afinal de contas a demanda demográfica é de crescimento. O Brasil é quinto país no ranking mundial em acidentes de trânsito e, uma das causas é o consumo de bebidas alcoólicas e imprudência. Todavia, outro fator responsável por esses índices alarmantes é a impaciência, pressa, correria para se chegar ao local desejado. Muitas pessoas sofreram acidentes e perderam suas vidas em razão da impaciência, da pressa por algo indefinido e muitas vezes não se perguntam por que agem assim. Quem é lento nas estradas, rodovias e ruas recebem imediatamente protestos pelos motoristas ávidos pela velocidade, imbuídos pela inquietude e impaciência. Muitos motoristas não respeitam os limites de velocidade, sinalizações, semáforos e faixas de pedestre por que não são pacientes, isso é um problema que tem se agravado pelo país. E, não temos aulas de meditação na escola como defende Frei Betto.

            As tecnologias tiraram a paciência de vez dos humanos através de suas invenções que ao invés de facilitar a vida das pessoas, tornando ainda mais impacientes, descomedidas e seus atos são irrefletidos. O celular, por exemplo, deseducou bastante nós humanos. Quando alguém percebe uma chamada não atendida, essa por sua vez, fica ansiosa querendo saber quem ligou. Na sala de aula o celular se tornou um problema, os estudantes estão conferindo mais atenção aos celulares que aos educadores. As pessoas, em geral, preferem fazer uma ligação que ir de encontro às outras pessoas, isso se reflete na impaciência, economia de tempo, deixar de realizar um encontro real para se consolidar num encontro virtual. A TV passou pelo mesmo processo de evolução tecnológica, antes os mais velhos, tinham que se levantar do sofá para mudar de canal, atualmente, o controle remoto faz isso por nós. Porém, as pessoas tem uma oferta enorme de canais e mudamos com uma enorme impaciência de canal procurando algo para nos satisfazer. O filósofo Mario Sergio Cortella diz que a TV a cabo e os controles remotos servem para não assistirmos nada. Nos legaram como comportamento a ansiedade e impaciência. O mesmo ocorre com as câmeras digitais. Antes – com as câmeras analógicas – devíamos tirar fotografias e levar o filme para ser revelado, um exercício de paciência, processo, hodiernamente, as pessoas fazem fotos e de imediato já conferem o resultado e, se não for de seu agrado, tiram outra fotografia. Antes ouvíamos músicas via cassete, disco vinil e CD, mas hoje temos o mp3 que serve para nos deseducar, nos tornar impacientes. As pessoas compram mp3 com centenas de músicas e, sua maioria não consegue ouvir as mesmas. Vejo com frequência as pessoas não ouvindo uma música inteira, passando-se para a seguinte, isso é impaciência, ausência de processo.

            Poderia enumerar milhares de exemplos cotidianos que se assemelham e se encaixam no tema aqui discutido, a impaciência. Mas, para não se alongar muito, convido as pessoas cujo dia a dia é permeado por estas ações nocivas ao seu bem-estar a lerem um pouco mais sobre filosofia, a refletir e indagar por que estamos nos comportando tão erradamente, a tentar elucidar estes conflitos que afligem de forma degenerativa nossa convivência e é ao mesmo passo assustador o número de pessoas doentes com depressão, doença que na minha adolescência não ouvi falar e era desconhecida da população. Entretanto, na geração atual é comum. Nos anos 90, o sistema capitalista ainda era tênue e fraquinho em relação ao século XXI. É cada vez banal expressões como tédio, dia chato/ruim e coisas parecidas, é o exercício da impaciência, inquietude e desconcentração. Deve ser horrível proferir tais negativas e não tentar reverter esse quadro, essa situação desesperadora. Essas pessoas precisam de ajuda, precisam encontrar a si mesmas, precisam meditar, refletir e inquirir a si mesmos sobre o mal que lhes afligem. O primeiro passo pode ser dado, é preciso iniciativa, perseverança e destreza e a fundamentalmente, ação. Aristóteles, filósofo grego, admirava a verdade, neste caso, a verdade soa como a busca da compreensão da realidade, este pode ser o caminho. Destarte, está se tornando comum as pessoas não aceitarem a perda, a derrota, ouvir um não, em outras palavras, muitas pessoas não sabem perder e, no mais das vezes, a derrota parece ser algo letal, degenerativo e inaceitável, isso é a ausência, a falta de autocontrole, prudência, cautela e, sobretudo, paciência. O tema é extenso, essas breves reflexões não encerram a discussão, é vital e necessária a construção de correntes humanas que desenvolvam atividades de fortalecimento ou até mesmo de fundamento de uma das maiores virtudes humanas, a paciência. Os asiáticos dizem: fazer paciência e não ter paciência. Isso significa que é um erro crer que algumas pessoas possuem mais paciência que outras, pelo contrário, necessitamos fazer a paciência, pois, paciência é um exercício, não passa de um conceito, de uma ideia na nossa mente. Portanto, precisamos urgentemente criar movimentos para a inserção de aulas de meditação no currículo escolar e estimular as autoridades competentes a promoverem mais opções de lazer e eventos culturais que cativem, estimulem e fomentem na juventude brasileira a arte da prudência, do saber esperar e aguardar e fazer a paciência um conceito onipresente na vida de nós, seres humanos.