quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

História concisa dos carnavais em Cachoeirinha/PE

Introdução

    Recontar momentos históricos de um dado povo ou cidade não é tarefa fácil, ainda mais quando as fontes escritas são insuficientes, esparsas e escassas, o que não quer dizer que seja uma tarefa impossível de se consolidar. Quando o historiador não tem ou são insuficientes às fontes escritas restam como alternativa as fontes não escritas, comumente denominadas de história oral, que na verdade são registros memoriais de um dado povo ou civilização, resgatando-se fatos históricos mediante a realização de inúmeras entrevistas orais com personagens que vivenciaram determinados contextos históricos, possibilitando-se assim, o resgate de momentos e fatos históricos marcantes para um povo. Nosso trabalho respaldou-se, sobretudo, na coleta de depoimentos de algumas personagens da História da Cidade de Cachoeirinha, apesar de poucos, não pelo fato de haver poucos testemunhos, mas pela pressão do tempo que determina, no mais das vezes, nossas ações. Esse pequenino texto é inconclusivo, não pretende esgotar o tema proposto, mas mostrar relatos históricos que talvez não sejam conhecidos da juventude atual cuja formação de valores são muito distintos dos princípios éticos e morais dos relatos que serão evidenciados a seguir. Nossa pesquisa pode ser comparada a uma introdução, o que não quer dizer que não possa ser reveladora. O leitor poder perceber alguns anacronismos, saltos temporais gigantescos, pois nossa pesquisa não foi delimitada numa época específica, mas em vários períodos distintos, por isso a necessidade de num futuro próximo a realização de uma pesquisa mais coesa, densa e rigorosa.

Origens do Carnaval

    Nosso país foi erigido a partir de elementos culturais trazidos pelos povos europeus e africanos, mas o carnaval veio provavelmente da Europa. Não há uma concordância entre os historiadores sobre a origem do carnaval, contudo, muitos defendem que o carnaval apareceu na civilização grega por volta dos anos 600 e 520 a. C., eram festas de agradecimento aos deuses pelo período de fertilidade do solo e fartura de alimentos. Posteriormente, quando a civilização grega passou a ser dominada pelos romanos, a festa mudou de contexto, nos quais consumiam-se muitas bebidas, sobretudo, vinhos e se praticavam orgias que para os olhos da Igreja eram atos intoleráveis e insuportáveis para a crença cristã. Com o passar dos anos, o carnaval foi adotado pela Igreja cristã por volta de 590 d. C., o que para muitos devia ser proibido pela realização de cantos e danças, que eram indesejados aos preceitos cristãos. Tempos depois da adoção a festa passou a pertencer dos cultos oficias da religião cristã, porém, os considerados “atos pecaminosos” foram eliminados, o que para muitos era uma modificação desprezível, pelo fato de tirar a alegria original da festividade.

Em 1545, durante o Concílio de Trento, o carnaval voltou a ser uma festa popular. Em aproximadamente 1723, o carnaval chegou ao Brasil sob influência europeia. Ocorria através de desfiles de pessoas fantasiadas e mascaradas. Somente no século XIX que os blocos carnavalescos surgiram com carros decorados e pessoas fantasiadas de forma semelhante à de hoje.

    O carnaval chegou ao Brasil a pouco mais de três séculos, sendo trazido pelos imigrantes europeus. O carnaval da maneira que chegou aqui consistia, sobretudo, na realização de festas onde envolviam multidões que desfilavam pelas principais ruas das cidades vestidos com fantasias e mascaras irreverentes. Embora de origem europeia, muitos personagens foram incorporados ao carnaval brasileiro, como, por exemplo, Rei momo, pierrô , colombina, etc.
    Portanto, após a chegada da festa pagã aos grandes centros urbanos brasileiros, aos poucos, a prática de comemorar o carnaval estendeu-se pelo interior do país assumindo assim, sua variedade cultural conforme os aspectos inerentes de cada localidade.
   

Princípios do Carnaval em Cachoeirinha

    Não se sabe ainda quem trouxe os festejos para a cidade, não há (até a data desta pesquisa) um documento escrito que confirme as primícias das festas carnavalescas nem tampouco depoimentos de alguma testemunha ocular ou testemunhos através da tradição oral sobre as origens do carnaval em Cachoeirinha. Ao que tudo indica, a festa, possivelmente, veio junto com a religião cristã quando se instalou na região, isso pode ser inferido levando-se em consideração que o carnaval desde o Concílio de Trento, passou a fazer parte do calendário cristão. Isso é claro, não passa de uma suposição. Segundo a coleta de alguns depoimentos que foram coletados nesta pesquisa, estima-se que a festa já era celebrada desde a década de 1950, mesmo quando a cidade ainda não era cidade, mas um distrito de São Bento do Una.

Clube Diversional

Mencionar as festas carnavalescas em Cachoeirinha é, sobretudo, rememorar seu principal palco, o Clube Diversional. O terreno onde está localizado o Clube Diversional foi comprado por José Raimundo a Rosa Inácio da Silva, conhecida como Dona Rosinha da Rua da Fruta. Segundo a Professora Maria Clara da Silva, isso ocorreu entre a década de 50 e 60, infelizmente não temos nenhum documento escrito sobre a compra do terreno. Ainda segundo a Sra. Maria Clara, as festividades no Clube eram principalmente organizadas pelas personalidades: Euclides Raimundo, José Raimundo, Izídio Calado, José Gabriel, Alfredo Espíndola, João Couto (Alfaiate), Jaime Elias de Melo, Diva Valença e outras personalidades locais.
As festas no Clube Diversional, segundo vários testemunhos, eram muito bem organizadas, havia muitas mesas a disposição dos foliões. Esses foliões eram famílias inteiras que prestigiavam as festas com muita devoção. Os país sempre estavam acompanhados de seus filhos e parentes próximos. A família nesta época, década de 70, 80 e início dos anos 90 eram bastante coesas, solidárias e altruístas. As festas estavam divididas em duas modalidades: matinês – que ocorriam no domingo, segunda-feira e terça-feira de carnaval das 15 às 18 horas, as matinês eram destinadas aos jovens, crianças e adolescentes, mas estes deviam estar acompanhados de seus pais ou responsáveis. As festas noturnas também ocorriam nos mesmos dias das matinês, entretanto, eram das 22 às 04 da manhã, menores não podiam participar. A maior atração do Clube Diversional era a Orquestra de Frevo Tira Teima da própria cidade, que embalava os foliões ao ritmo incansável de muito frevo e canções de época. Os frevos mais tocados nos anos 70, 80 e 90 eram canções de compositores renomados de Recife, Olinda e outras regiões do país, como por exemplo: Capiba, Nelson Ferreira, Claudionor Germano, Alceu Valença, Batutas de São José, além das marchinhas de carnavais oriundas de blocos tradicionais de Olinda e Recife. É preciso destacar que estas composições traziam letras inesquecíveis e que ainda hoje são muito tocadas em Olinda e Recife. Estas canções celebravam o amor, a ternura, a humildade, a alegria, a paz, a solidariedade, a irreverência e etc.
Outra menção honrosa ao Clube Diversional veio do PM Ademilson Raimundo José, mais conhecido como Ademilson Pm, cujo depoimento de testemunha ocular revelou que as festas carnavalescas na década de 80 e 90 eram muito seguras, era raríssimo ocorrer brigas e confusões dentro e fora do Clube. Era possível, inclusive, fazer a segurança dos foliões com apenas um soldado, onde o mesmo era muito respeitado pelos foliões.

Orquestra de Frevo Tira Teima

    Muitas pessoas desconhecem o nome original e registrado da famosa banda local, a carinhosa Tira Teima. O Nome oficial é Banda Musical Santo Antonio de Cachoeirinha que foi fundada no dia 13 de junho de 1959 pelo seu primeiro Maestro Tenente Izídio, natural de Caruaru, já falecido, este esteve à frente da Banda Santo Antonio no período de 1959 a 1963. Após a morte do Sr. Izídio, quem ficou com o cargo de reger a Banda foi o Sr. Sebastião Primo de Barro, natural da cidade de Altinho, também já falecido, este ficou como regente de 1963 a 1965. O Terceiro maestro da Banda foi o Sr. Paulo Jojó, natural da cidade de Ribeirão, zona da mata de Pernambuco, também já falecido. Posteriormente, sucederam-no: Félix de Barro Correia, natural da cidade de Altinho e irmão de Sebastião primo, em seguida o Terceiro Sargento da PM José Ferreira da Silva, natural da cidade do Recife, após este o Sr. Sebastião, natural de São Paulo, o mesmo era casado com uma sobrinha de José Gabriel e, por último, o Senhor Luiz Bezerra de Sobral, mais conhecido como Lula músico que está na regência da Banda desde o ano de 1969, quarenta e três anos de dedicação a Banda local.
    Lula músico, que é natural da cidade de Altinho, recebeu o convite dos já falecidos Padre Neves e Euclides Raimundo para ser o Maestro da Banda Musical Santo Antônio, o qual aceitou o convite e não mais regressou para sua terra natal.
    O nome mais conhecido da Banda, como Tira Teima, surgiu a partir da orientação do então prefeito Paulo Leite Martins, isso por volta da década de 1970, de lá para cá, poucos na cidade conhecem o nome original da banda. A banda Tira Teima vivia o seu apogeu recebendo convites de diversas cidades pernambucanas e alagoanas para tocar, a banda fez shows nas cidades alagoanas de: Maravilha, Boca da mata, Paulo Jacinto, Santana do Ipanema, Palmeira dos índios, Quebrangulho e Dois riachos; Em Pernambuco: Sirinhaém, Lajedo, São Caetano e Buique.
    A dedicação do Maestro Lula impressiona não apenas aos moradores mais velhões da cidade, mas também as gerações futuras, o Maestro se orgulha e estufa o peito em soar suas emocionantes palavras: “eu já ensinei a mais de 70 músicos”, isso não motivo apenas de alegria pessoal, mas também para nossa cidade.

Zé Pereira

    Do mesmo modo que há divergências sobre as origens do carnaval, existe igualmente sérias dúvidas sobre uma das personalidades mais irreverentes e festejadas do carnaval no Brasil, o Zé Pereira.

A constatação da existência de uma diversão carnavalesca conhecida como Zé Pereira em Portugal do século XIX parece apontar para a forte influência lusitana no surgimento da brincadeira no carnaval carioca. Há uma errônea, mas infelizmente consagrada versão, que atribui a "invenção" do Zé-Pereira a um português de nome José Nogueira de Azevedo Paredes, comerciante estabelecido no Rio de Janeiro em meados do século XIX. Divulgada na maioria dos livros sobre carnaval, essa versão acabou ocultando toda uma série de influências que contribuíram para o surgimento dessa curiosa categoria carnavalesca. As raras referências sobre o tema na literatura carnavalesca são bastante desencontradas. Estas apontam o "surgimento" do Zé Pereira em 1846 (Moraes, 1987), em 1852 (Edmundo, 1987) ou em 1846, 1848 e 1850 (Araújo, 2000).

    Independentemente da matriz do personagem, não podemos negar a importância local e da efervescência com que as pessoas no Brasil comemoram a sua chegada. Em Cachoeirinha não foi diferente, o Zé Pereira sempre foi uma das festividades mais aguardadas e celebradas.
    Segundo relatos de personalidades mais velhas da cidade, o Zé Pereira já desfilava pelas poucas ruas da cidade antes mesmo da emancipação política de Cachoeirinha. Esses depoimentos foram de testemunhas oculares cujas revelações impressionam pela concordância dos fatos e detalhes do passado local. Os primeiros desfiles do Zé Pereira na localidade, ainda sob dependência política a Cidade de São Bento do Una, destacam que o personagem vinha montado no lombo de um jumento e acompanhado por um séquito de pessoas, enquanto as demais não conheciam a identidade do Zé Pereira, esse desfile, segundo o Sr. Lula Músico era acompanhado sob as luzes de candeeiros e sem qualquer orquestra.
    Em meados das décadas de 70, 80 e início dos anos 90, após a missa do sábado de carnaval, entre as 21 e 22 horas, as pessoas aguardavam na Praça Dom Expedito Lopes a passagem do Zé Pereira, enquanto outras se deslocavam até a Rua da Samaritana para acompanhar a saída do Zé Pereira, que em alguns anos desfilou montado no lombo de um jumento e em tempos recentes desfilavam na caminhonete D10 azul da prefeitura municipal. A figura folclórica do Zé Pereira despertava muita curiosidade nos foliões que almejavam identificar quem estava sob a fantasia e mascara peculiar do personagem, as crianças e adolescentes que visualizavam o Zé Pereira sentiam muito medo, se esquivando do olhar inquisidor do Zé.
    Outra figura folclórica e inesquecível do desfile do Zé Pereira era o Boi de Bel. Era incomum ocorrer o desfile do Zé Pereira sem a presença do Boi de Bel, assim como também da Burrinha o do Urso. Segundo algumas testemunhas, Bel em alguns carnavais saia vestido de urso e noutros de boi, mas posteriormente, este passou apenas a organizar o desfile. Os adultos da atualidade, que naquela época eram crianças jamais se esquecem das perseguições geradas pela burrinha endiabrada que colocava muito medo nas pessoas e dava muitas chicotadas nas suas vítimas. Nos dias de feira livre o boi, a burrinha e o urso de Bel, desfilava pelas ruas pedindo dinheiro aos feirantes. O boi de bel saia, geralmente, nos dias de feira livre, acompanhado de batucadas que animavam e traziam alguns acompanhantes e curiosos. Era, sem sombra de dúvida, um carnaval muito festejado, inesquecível. Nesta festividade, havia também o desfile de muitas pessoas fantasiadas, sobretudo, pessoas vestidas de papangus e Caterinas.

Mela mela

    Outra peculiaridade do período carnavalesco em Cachoeirinha era o chamado mela mela. Em geral, ocorria com mais frequência no domingo, segunda-feira e terça-feira de carnaval. Eram formadas batucadas com grupos de pessoas que percorriam as principais ruas da cidade sujando os passantes despercebidos. As pessoas eram sujas de goma, talco, lama, óleos (graxas), batom e água limpa e suja. Ouvi alguns relatos que neste período algumas famílias colocavam tonéis com muitos litros de água nas calçadas de suas residências para molhar com baldes de água as pessoas que por ali passavam. A brincadeira era muito assimilada, aceitável e festiva, ninguém se incomodava por ser molhado ou sujo nos dias do mela mela.

Considerações finais

    Esse pequeno trabalho tentou elucidar e trazer à tona algumas fagulhas dos primeiros carnavais e suas celebrações em meados das décadas de 70, 80 e 90 na cidade de Cachoeirinha, possibilitando aos jovens dessa geração do século XXI a compreensão de como era os carnavais de seus pais e em alguns casos de seus avós. A presente pesquisa pode incorrer em alguns erros, mas pela fidelidade memorial de seus depoentes e pela concomitância nos relatos de gerações passadas percebeu-se e evidenciou-se uma sincronia nas informações, dado que em história não pode ser descartado nem tampouco desvalorizado. Continuo a ressaltar que essa pesquisa não é completa nem concreta, mas um esboço de uma descrição de contextos e recortes históricos do passado de nossa cidade, Cachoeirinha. Há uma enorme necessidade de um estudo mais rigoroso, laborioso e sem pressão alguma da ideia de tempo, o que a meu ver, afetou um pouco a pesquisa. Para finalizar, fica a reflexão de que aos poucos nossa tradição carnavalesca foi se esvaindo para outros grandes centros e polos de animações como Recife, Olinda e litorais desse imenso país, isso se explica, pela enorme influencia dos meios de comunicação de massa (MCM), cujo poder de manipulação reorienta os valores dos mais jovens. Nas décadas de 70 e 80 Cachoeirinha possuía uma população de 13.000 habitantes sendo que mais de 70% vivia na zona rural, atualmente a cidade tem pouco mais de 18.000 mil habitantes e mais de 85% vivem na zona urbana. Outros fatores que impediam o afugentamento de pessoas aos litorais nos anos 70, 80 e 90 eram a precariedade dos transportes públicos e possuir um automóvel nestas épocas eram privilégios de poucos. Os carnavais atuais fragmentam as famílias que – no mais das vezes – passam os tão aguardados carnavais distantes de seus filhos.