quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Política do barulho


Restam quatro dias para as eleições e no município de Cachoeirinha a política está do barulho, ensurdecedora mesmo. Ânimos de correligionários exaltados, carros de som além dos decibéis permitidos por lei, entoamento de canções como “pula pula pro lado de cá”, “arruma a mala aê” e “tá desesperado?” são as mais tocadas na cidade, motocicletas com escapamentos retumbantes, uma miríade de queima de fogos de artifícios – talvez maior até do que no período junino – bandas marciais, é assim que se faz política na pequena e pacata cidade de Cachoeirinha.

                A política por aqui sofreu uma natimortalidade ou foi acometida por infanticídio de seus genitores, os débeis políticos! As pessoas que esperam representar o povo na Assembleia Legislativa Estadual e na Câmara dos Deputados em Brasília não fazem política, mas uma grande encenação (demagogia). Ah, que saudade dos tempos áureos nos quais os candidatos a pleitos públicos promoviam belíssimos debates com conteúdo sobre projetos e propostas que interessam ao povo. Era a existência da verdadeira política e não da falácia que, para a infelicidade geral, impera hoje.
                Cachoeirinha está sendo disputada por vários candidatos a Deputados Estaduais e Federais, os mais comentados na cidade são João Fernando (Água Preta), Augusto Coutinho (Belo Jardim, genro de Zé Mendonça), Esmeraldo Santos (São Caetano) e Roberto Teixeira (Recife?). Todos os cantinhos de nossa cidade e zona rural estão sendo disputados e esmiuçados voto a voto pelos “caçadores de eleitores” que diga-se, são muitos. Devia ser homologada essa nova profissão neste país! Já se foi o tempo cujos eleitores dispunham de liberdade para escolher seus candidatos (as), nestes tempos a política transformou-se em aconselhamento. Isso mesmo. O voto é uma mera mercadoria e, por aqui, muito barato. Houve casos, por exemplo, de famílias que convidaram os políticos para jantarem e leiloarem o valor de seus votos.
                Nos momentos que antecederam as palestras dos políticos mencionados a população foi chamada não por meio dos sinos da Igreja, mas pelo ribombar dos fogos de artifício, carros de som, veículos com reboque, e roncado dos motores de algumas motocicletas. Pelo menos nossos políticos possuem um grande estilo para enobrecer suas palestras. Após o toque das “trombetas” a população se aglomera nos comitês e saem em cortejo – não fúnebre – mas inebriante e ao som das músicas daqueles candidatos ao mero ritmo do axé da Bahia. Quem antes era tímido (a) perde a inocência e cai no maior carnaval pelas ruas de Cachoeirinha, é impressionante mesmo. Quando o destino enfim é percorrido, vem o desespero! Onde estão nossos políticos? Não vieram? Vieram claro, mas não haverá propostas e projetos hoje, para a felicidade geral, hoje será encenada uma peça teatral e, todos se abraçam e vão comemorar ingerindo muita bebida alcoólica nos botequins das imediações. Que política! No primeiro ato da encenação teatral os políticos sempre falam daquilo que fizeram e vão fazer – nesta vida e na pós-morte –, porém, quem é político está fazendo favor à população ou exercendo a sua obrigação? No segundo ato, virou baixaria – a ética se esconde por ruborização –, vamos falar mal do oponente que às vezes funciona. E vêm os xingamentos. E, por fim, após o célebre (?) discurso final tão aguardado, volta-se o desfile carnavalesco pelas principais ruas da cidade regressando ao comitê, nossos políticos viram heróis e são carregados nos ombros, pobres se abraçam com os ricos, é pura euforia, não há discriminação social, miséria, fome, desemprego, insegurança, tudo é perfeito e banal. Quando o destino enfim é alcançado às pessoas voltam para casa e devem se perguntar: o que eu fiz? Onde estava? Perdi a memória? Após essa letargia e estagnação racional, presumivelmente, algumas pessoas cuja consciência teve a capacidade e eficiência de auto-avaliar-se deve ter se questionado sobre o que fizeram de errado.
                No outro dia a noticia que circula na cidade é sobre o sucesso e a multidão de pessoas que compareceu a Grande palestra. Outros perguntam: havia quantas motocicletas? Quantos automóveis? Qual foi o tempo no medidor? Mas não devia ser assim. As indagações mais recorrentes deviam ser debatidas pelos eleitores sobre as propostas coerentes e plausíveis expostas por nossos futuros representantes e sua possível aplicabilidade em nosso município. A Compesa – Empresa Estatal de Pernambuco – por exemplo, perdeu sua área de atuação no Estado de Pernambuco, pois os políticos atribuem a si como responsáveis pelo abastecimento d’água em nossa cidade. A política por aqui está longe da sua significação, o que impera são os interesses privados e particulares, falsas ideologias, corrupção e ocultação da verdade. Há um candidato que se parece bastante com Sílvio Santos, “quem quer dinheiro?”. A política autêntica, aquela originada na Grécia Antiga, não teve – por aqui –, ainda, nenhuma manifestação até o momento. Os gregos discutiam em praça pública as ações cujos interesses atingiam a todas as pessoas da polis, não havia intenções de favorecimento pessoais, mas coletivos. Aqui os políticos que não fazem parte da nossa polis – Cachoeirinha – tentam auferir votos para sua eleição pessoal, depois dessa meta obtida, regressam para suas cidades-estados de origem e só reaparecem em quatro anos. Que política medíocre!

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Regresso ao sítio arqueológico gaiola

Alunos do 3º Estudos Gerais A.
No último sábado, 18/09, retornei ao sítio arqueológico gaiola, zona rural do município de Ibirajuba, acompanhado por oito alunos do 3º Estudos Gerais – turma A – da Escola Estadual Corsina Braga, município de Cachoeirinha. Nossa expedição tinha como meta principal colher novas informações e dados arqueológicos pertinentes à cultura material da etnia indígena que habitou aquela região num passado longínquo. Saímos cedo, percorremos a trilha pedregosa, íngreme e acidentada que dá acesso ao sítio gaiola. Foi uma caminhada de pouco mais de 40 minutos sob um clima instável, ensolarado e às vezes nublado. Regressei ao sítio após quatro meses na intenção de encontrar alguns artefatos líticos, avaliar o sítio, as gravuras rupestres e o seu entorno após a estação chuvosa que neste ano foi mais duradoura do que o habitual, na tentativa de aventar como era a vida cotidiana daquele povo e sua luta pela sobrevivência sob tais circunstâncias naturais.
Uma das cachoeiras do rio gaiola.

            Constatamos que o enorme lajedo onde se localizam as gravuras rupestres que em arqueologia são denominadas de itaquatiaras, pedra talhada ou lavrada na língua tupi, sofreram depredações e atos de vandalismo. É preciso ressaltar que a localização geográfica do mencionado sítio arqueológico é inacessível e possui poucas residências nas suas imediações, contudo, mesmo assim o vândalo que promoveu tais incisões na rocha sabia de forma deliberada o que estava fazendo. Foram cunhadas duas cruzes próximas às gravuras de braços humanos que ali foram lapidadas há provavelmente – no mínimo – um milênio atrás. Utilizamos esta estimativa mediante a comparação com outros sítios arqueológicos da região e que foram feitos sob a mesma técnica na produção dos registros rupestres. O(s) indivíduo(s) que produziu o vandalismo usou a técnica da percussão, através do picoteamento fazendo cruzes que talvez fazem alusão ao símbolo do Cristianismo. Existe uma Lei Federal de 1962 onde determina que qualquer prática de vandalismo, destruição e obstrução de sítios arqueológicos, os responsáveis devem sofrer detenção de no mínimo seis meses. Infelizmente o vandalismo no sítio arqueológico gaiola é fato. É lamentável que existam pessoas que não sabem do conceito de Patrimônio arqueológico e tampouco sabem que os registros rupestres – arte rupestre – são vestígios da cultura material e, sobretudo, imaterial de nossos antepassados diretos.
Note-se ao lado dos dedos humanos , vândalos talharam uma cruz.
Outra evidência de vandalismo. Cruz cunhada sobre uma gravura rupestre pré-histórica.


            O sítio arqueológico gaiola possui esta nomenclatura devido a sua localização ser dentro de um curso d’água homônimo. Imaginávamos que o sítio era na verdade um arroio, um rio que secou a bastante tempo preservando apenas o seu curso antanho, porém, no dia que o visitamos, o rio estava ativo e fluindo muita água das chuvas que caíram na região há três meses. Há um local no lajedo que o rio forma um declive muito acentuado promovendo uma queda livre d’água, formando uma cachoeira natural. Esse cenário na pré-história dali favorecia a obtenção de uma alimentação regada a muitos peixes. Mais adiante ao local da queda livre d’água forma-se um reservatório natural de água, um caldeirão d’água que dura – mesmo em períodos de estiagem – alguns meses. Não há dúvidas de que a localidade é propensa à obtenção de alimentos, sobretudo, animais que eram ali caçados no momento que buscavam água para saciar sua sede. Os homens caçadores ficavam à espreita aguardando o momento exato em que os animais buscavam água para capturá-los e alimentar-se deles posteriormente.
Grafismos puros.

            Próximo ao painel principal, local no qual existe a maior quantidade registros rupestres há outro suporte rochoso que fica a menos de cinco metros de distância deste suporte. Nele existem alguns grafismos puros – denominação que segundo a Arqueóloga Anne Marie-Pessis (UFPE e Fundação Museu do Homem Americano) consiste nos grafismos rupestres que não podemos definir o que eram e o que representavam em sua essência aos povos que a confeccionaram – estão bem desgastados possivelmente pela ação do vento, sol e correnteza. Os grafismos rupestres parecem com plantas cactáceas como o mandacaru que é abundante naquela região. Utilizamos essa comparação analisando-se as silhuetas e formas dos registros rupestres deste suporte, além disso, é muito comum na pré-história os povos que ali viveram representar vegetais, plantas e animais da região.
Grafismo puros que possuem a forma, quiçá, de plantas cactáceas.

            Notamos também que o paredão principal – o suporte rochoso – onde se localizam as gravuras rupestres sofre um adiantado processo de erosão ocasionado pelo próprio rio gaiola, pela insolação, vento e agora pelo ser humano. O suporte está sofrendo desplacamento e descamação de algumas partes do bloco rochoso – inclusive – observamos um enorme bloco de provavelmente cinco metros de comprimento que se desprendeu da rocha original. Algumas gravuras já se perderam para sempre, talvez foram levadas pelas correntezas ou caíram naturalmente. O que se sabe é que uma pesquisa urgente é necessária antes que a própria natureza e agora o ser humano acabem com mais um patrimônio da humanidade.
            Após picadas de maribondo, caminhada extenuante, escalada em várias rochas, análise e procura de novos registros rupestres concluímos nossas pesquisas nos deliciando nas águas gélidas do rio gaiola. 

domingo, 12 de setembro de 2010

Jô Soares entrevista Eduardo Bueno

               No dia da Independência do Brasil o jornalista e humorista Jô Soares recebeu em seu programa o também jornalista, escritor e Historiador por paixão, Eduardo Bueno. A entrevista decorreu por mais de 40 minutos. Eduardo Bueno tem formação acadêmica de Jornalista, mas já escreveu mais de 20 livros sobre história e, sobretudo, história do Brasil. A sua visita ao programa de Jô Soares foi motivada pelo lançamento se seu mais novo Livro: Brasil: uma história – cinco séculos de um país em construção, Editora Leya. Nesse ínterim, ele fez alguns comentários sobre a estrutura do livro, discutindo e comentando alguns capítulos e, algumas das suas observações chamaram a nossa atenção sobre o primeiro capítulo do livro que trata da pré-história do Brasil. Assisti a entrevista ontem, e percebi alguns equívocos que para o não historiador, provavelmente, passaram despercebidos.
 O jornalista e Escritor, Eduardo Bueno.
            Eduardo Bueno mencionou que a pré-história brasileira sofreu muitos avanços nas últimas décadas através dos estudos e novas pesquisas de arqueólogos brasileiros e estrangeiros – isso é inegável –, mas ele cometeu quatro pequenos/grandes erros ou equívocos sobre alguns dados arqueológicos.
            Primeiro, na sua entrevista, Eduardo Bueno menciona informações concernentes do crânio de Luzia, que é na verdade, o fóssil humano mais antigo das Américas e foi descoberto no abrigo sob rocha Lapa Vermelha IV, na região de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. Este achado é considerado uma das maiores descobertas arqueológicas do século XX – apesar de apenas ter sido encontrado o seu crânio –, contudo, Eduardo cometeu um deslize sobre a datação radiocarbônica de Luzia, segundo Bueno, Luzia possui 9.000 anos antes do presente. A datação correta, segundo um dos seus estudiosos Walter Alves Neves[1] é de no mínimo 11 mil anos. Para corroborar essa datação:
                       
Na Lapa Vermelha IV, conforme já mencionado, ossos e fezes de preguiça-terrícola (Catonyx cuvieri) foram datados, de forma indireta (carvões do mesmo nível sedimentar), em 9,5 mil anos, mas não foi possível estabelecer uma associação clara e direta entre esses restos faunísticos e as fogueiras e instrumentos líticos encontrados no sítio. Mas em nível estratigráfico inferior, datado por volta de 11 mil anos, portanto mais antigo que os vestígios da preguiça-terrícola, foi encontrado o esqueleto humano, posteriormente denominado Luzia. [...] Em resumo, Luzia e seu povo viveram no final do Pleistoceno, entre 12 e 10 mil anos atrás [...] (NEVES; PILÓ, 2008, p. 261, 262 e 305. Grifo meu)

            Segundo, Eduardo Bueno fala a Jô Soares que um dos pesquisadores de Luzia é o arqueólogo, Walter Alves Neves. Outro engano. Walter, na verdade é graduado e pós-graduado com título de Doutorado e Pós-doutorado em Ciências Biológicas e Atualmente é Professor Titular do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo, onde fundou e coordena o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, único do gênero da América Latina. Portanto, Walter Neves não é arqueólogo, mas trabalha na área investigando e pesquisando os processos evolutivos e biológicos dos primeiros americanos. (Cf. http://lattes.cnpq.br/4940507980201276)
            Terceiro, Bueno diz que a pesquisadora que realizou as pesquisas arqueológicas na região de Lagoa Santa, na década de 1970 – período de 1974/1975 – era uma arqueóloga Americana que infelizmente faleceu num acidente de automóvel. Concernente ao acidente fatal Eduardo está correto, todavia, a arqueóloga não era Americana, mas Francesa. Seu nome Annette Laming-Emperaire que após inúmeras escavações na região encontrou o crânio de Luzia no abrigo Lapa Vermelha IV, município de Pedro Leopoldo/MG. (Cf. a matéria sobre Luzia no link http://chicohistoriador.blogspot.com/2009_07_01_archive.htmlb)
            Quarto, Eduardo faz referências a São Raimundo Nonato, cidade localizada no sudoeste do Piauí, e menciona que as pesquisas ali realizadas demonstraram que o homem americano podia ter habitado aquela região há pelo menos 35 mil anos atrás, sobretudo, no abrigo sob rocha Boqueirão da Pedra Furada. Ledo engano, o sítio Boqueirão da Pedra Furada possui mais de 48 mil anos antes do presente. Para ratificar:
Em março de 1993, Fábio Parenti defendeu, em Paris, uma tese de Doutoramento, dirigida por Niède Guidon, sob o título “Le gisement quaternaire de La Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Piauí, Brésil) dans Le contexte de La préhistoire américaine. Fouilles, stratigraphie, chronologie, evolution culturelle”. Nela apresentou um estudo completo da escavação do Sítio do Boqueirão da Pedra Furada, hoje um sítio internacionalmente famoso pelas evidências da presença humana no NE do Brasil com uma seqüência cronológica que vai desde 48.000 anos até 6.000 antes do presente. (MARTIN, 2005. p. 94 – 95. Grifo meu)
 Novo livro de Eduardo Bueno.
            Portanto, minha intenção não é negar a obra e relevância do referido livro publicado pelo Jornalista Eduardo Bueno, não tenho tal intenção, mas demonstrar que a pesquisa historiográfica deve ser realizada mediante um enorme rigor científico e metodológico que muitas vezes fica a cabo do verdadeiro historiador. Ouvi recentemente de um grande historiador pernambucano, Antônio Paulo Resende – Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) – que qualquer pessoa pode escrever história e estória, contudo, o olhar do historiador nato é mais panorâmico e profundo. Ultimamente no nosso país muitos jornalistas têm escrito sobre história, e suas publicações têm se tornado best-seller, acredito, que devido a sua habilidade e facilidade de escrever bem, foram bastante lidos e aceitos pelos brasileiros.
            Eduardo Bueno demonstra ser essa pessoa que dispõe de enorme facilidade em recontar, reescrever acontecimentos do passado e presente do Brasil, no entanto, lhe carecem a astúcia e requinte que são elementos imprescindíveis do historiador. O historiador sabe como recolher as fontes históricas de maneira coerente, prudente, racional e precisa, elemento que muitas vezes falta ao jornalista.
            Confiram o vídeo com a entrevista na íntegra nos meus vídeos abaixo ou pelo link direto http://www.youtube.com/watch?v=04Tv-f4deO4


[1] NEVES, Walter Alves & PILÓ, Luís Beethoven. O povo de Luzia, em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Editora Globo, 2008.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Dilma Rousseff, apologista do aborto e ateísmo?


Hoje recebi um e-mail e fiquei estarrecido com o seu teor. O e-mail está circulando por todo o país e trata-se de temas polêmicos da sociedade, como aborto e ateísmo; e envolve a candidata a presidência da República, Dilma Rousseff. Além disso, no mesmo e-mail, reproduz-se uma eventual entrevista da candidata a um jornal de Minas Gerais, que no decorrer da entrevista Dilma afirma que nem mesmo Jesus Cristo impediria a sua eleição, devido a sua frente segundo institutos de pesquisas. E, no final da mencionada entrevista o mediador do Jornal – que não foi citado o nome – afirma com veemência que a candidata Dilma é a favor da prática do aborto. Fato que não foi discutido em nenhum momento pela candidata. Ainda sobre o e-mail, como era esperado, a população de Minas Gerais ficou indignada, visto que a maioria são cristãos – católicos e evangélicos – , não aceitou tais afirmativas da candidata e repudiaram mudando de opção política para José Serra, que antes estava abaixo nas pesquisas e doravante superou a candidata colocando cinco pontos percentuais de vantagem.
A candidata Dilma Rousseff nega as acusações de apologista do aborto.
            Este e-mail suscita diversos questionamentos, um deles refere-se a qual mídia realizou tal entrevista? Se foi um Jornal de circulação mineira, então porque não foi citado o seu nome nem tampouco o nome do entrevistador? O que entendemos por ateísmo, comunismo e ideologia? Se após essa entrevista – que questionamos a autenticidade – então porque a candidata do PT continua crescendo nas pesquisas de intenção de votos em todo o país?
Propagandas pejorativas da Revista Lei e Polícia que reproduziam imagens distorcidas dos comunistas.

            Imagine um e-mail como este circulando por todo o país narrando esta eventual entrevista da candidata do PT contestando a fé dos brasileiros – o país mais cristão do planeta – e favorecendo o exercício do aborto? A repercussão será trágica e crudelíssima a candidata, ademais, favorecia a oposição política. Essa notícia circula com muito vigor devido a prática do senso comum que consiste na reprodução de notícias, informações, crenças, valores, idéias de outrem sem nenhuma investigação racional. É o que ocorre quando recebemos várias informações diariamente, sobretudo pelas diversas mídias – Rádio, TV, Jornais televisivos, impressos e revistas – e a reproduzimos sem nenhuma crítica, reflexão ou segurança de sua veracidade, eis o senso comum, um membro que favorece a difusão das ideologias.
Nenhum adepto ou proselitista do Partido Comunista impõe tortura aos seus correligionários. 
 
            Ideologia, etimologicamente, significa estudo ou conjunto de idéias, mas ela pode assumir um modelo extremamente nocivo e manipulador das pessoas desinformadas e que não agem de acordo com a razão ou pelo conhecimento racional. Para o Sociólogo Pedrinho Guareschi[1] (2003) Ideologia consiste em ideias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos e a realidade.
A realidade é aquilo que acontece ou aconteceu de fato, sem ilusões, distorções, deturpações, mentiras e falsidades. 
Os comunistas não eram ateus como se divulgava. 
Outra ideia que inerentemente brota a partir do suposto e-mail é que o modelo de denominar as pessoas de atéias, anticristos e comunistas ocorreram diversas vezes ao longo da história da humanidade. No próprio Brasil, nas décadas de 20 até o final da ditadura militar circulava a especulação de que os adeptos do partido comunista eram todos comedores de criancinhas, ateus, anticristos e outros pseudônimos pejorativos. E, apesar de vivenciarmos a Era da informação e comunicação tal prática persiste até hoje. Contudo, isso é apenas mais uma reprodução de ideologias daqueles que possuem o poder (proprietários do modo de produção) e não desejam perdê-lo, neste caso, os capitalistas. Mas então, o que é comunismo? Guareschi[2] define:

Para Marx, a sociedade comunista é o último estágio da história da humanidade. Nela não existirão mais exploradores e explorados, isto é, não existiriam mais classes sociais, a figura do Estado iria desaparecer. Mas esse estágio só seria atingido após a tomada do poder pela classe proletária, após a extinção do modo de produção capitalista, e após o advento do modo de produção socialista. [...] O que o comunismo quer, então, é fazer com que os meios de produção passem a ser de todos, comuns. No momento em que não houver mais meios de produção privados, conseqüentemente não haverá mais classes. (Grifo meu)

            Será que o fato de um partido político defender e desejar implementar políticas públicas igualitárias, altruístas e extinção das classes sociais devem ser repudiados dessa maneira? Qual o mal por trás de políticas que defendem a igualdade social das pessoas? Obviamente, os comunistas são combatidos e repelidos pelos dominadores dos modos de produção, os capitalistas, através de campanhas ideológicas que são reproduzidas pelos seus meios de comunicação de massa: TV, Jornais, Revistas e rádio. Dessa maneira fica fácil macular a imagem de qualquer pessoa que ofereça algum perigo ao seu domínio. Basta lembrar-se da passagem bíblica onde Jesus foi crucificado pela sua ameaça ao poder instituído dos Sacerdotes Hebreus e do Império Romano. Nada melhor do que cunhar uma imagem negativa de um concorrente (ideologia) para eliminá-lo. Virou rotina também chamar aqueles que ameaçam os interesses privados dos candidatos neoliberais de adeptos do aborto e ateus. Mais isso não passa de mais uma falsa ideologia. 
 Os comunistas não promoviam trabalhos forçados como mencionava esta propaganda.

            O aborto é condenado pelas três maiores religiões monoteísta do planeta:

Todas as autoridades rabínicas concordam em que o aborto é contrário à lei judaica. No entanto, se a vida da mulher que vai dar à luz corre perigo, o aborto passa a ser permitido. O Talmude afirma que o feto só está ‘formado’ depois de quarenta e um dias. A posição islâmica é sensivelmente idêntica. No catolicismo, a participação ativa em um aborto é um delito. Se o aborto for consumado, esta participação acarreta a excomunhão automática.[3]

            As maiores religiões monoteístas do planeta: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo têm posicionamentos parecidos a essa prática. Todas condenam a ação abortiva como uma atitude funesta e sombria onde o fiel deve ser banido daquela religião. Mas, em casos excepcionais, como em uma gravidez de risco, o aborto é permitido para preservar pelo menos uma vida. Neste caso, a ideologia tecida sobre se um candidato (a) é favorável ao aborto logicamente promove muita polêmica e repercussão nacional. Isso não seria mais uma ideologia imbuída pelos meios de comunicação para denegrir a imagem de alguma pessoa? 
 Imagem de uma propaganda do Partido Comunista em Recife contestando a ideologia de que os comunistas eram ateus.

Outro tema polêmico é sobre os ateus, que quando são indicados ou mesmo assumem que são ateus, comumente são denominados como seres adoradores de satã ou qualquer outra divindade maléfica. Os ateus não são assim. Acreditam que não há nenhum Deus ou divindade superior. Será que as pessoas não possuem a liberdade de acreditar em seus pensamentos ou devem pensar sempre igual à maioria? É insólito ouvir-se por aí que pessoas atéias cometeram atentados terroristas ou qualquer ato que prejudique a vida de outras pessoas.
Se utilizarmos a razão vamos concluir que muitos discursos possuem interesses latentes, neste caso do e-mail, basta inferir a quem favorece a circulação da mensagem da provável entrevista de Dilma Rousseff? Alguém ouviu a própria candidata dizer com suas palavras que é a favor do aborto e que ninguém, nem mesmo, Jesus Cristo impede a sua eleição? Cabe a você eleitor prudente avaliar essa situação, pois, cada um possui uma maneira de ver a realidade e buscar a verdade, portanto, reflita bastante sobre quem poderia obter êxito na suposta entrevista, se ao menos soubéssemos o nome do Jornal ou do jornalista!
 A filósofa Marilena Chauí[4] define assim a verdade:

[...] o conhecimento não pode ser ideologia, ou, em outras palavras, não pode ser máscara e véu para dissimular e ocultar a realidade servindo aos interesses da exploração e da dominação entre os homens. Assim como a verdade exige a liberdade de pensamento para o conhecimento, também exige que seus frutos propiciem a liberdade de todos e a emancipação de todos.


[1] GUARESCHI, Pedrinho. Sociologia crítica. 54ª edição – Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 2003.
[2] Idem.
[3] REEBER, Michel. Religiões. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
[4] CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.